sábado, abril 29, 2006

CONT.

Mas convenhamos... a cidade de Dili até é um local bastante pacato. E estas coisas que eu descrevo são uma pontinha do que eu imagino que exista para conhecer e apreender deste ambiente.
Por causa da barreira linguistica e cultural eu noto que há muita, mas muita coisa que me passa ao lado.
Agora que já cá estou à um mês, até a considero uma cidade bastante equilibrada.
Por exemplo a questão dos esgotos a céu aberto - Para um ocidental, num primeiro impacto é algo que cria repulsa... mas quando olhamos melhor vimos que até funciona bastante bem! As casas mais humildes não tem casa de banho, ou seja a maior parte das casas, e por isso não existe muita carga sobre esse sistema básico. Como a cidade é varrida com frequência por chuvadas torrenciais, acaba por levar tudo... e eu até agora ainda não cheirei assim nada de muito grave! E os porcos têm onde tomar banho!! : )
Os porcos, esses sim! Isto está bom é para eles! Eles também tem um papel importante pois acabam por “processar” muito do lixo produzido e nesse sentido ajudam estes mecanismos a funcionar.

Aliás, Dili até não é uma cidade suja. Tem o seu lixinho ocasional como qualquer capital de pais subdesenvolvido (como em Portugal...) mas já conheci cidades bem mais porcas. Além disso a população é pobre e por isso não desperdiça e não produz lixo como nós fazemos no mundo acidental. Lá está o tal equilíbrio de que eu falava...

Ok... tudo isto não compensa a seca que é ter que parar constantemente para deixar passar porcos e cães na rua... nem as dores de costas que ao fim de duas semanas eu já tinha por andar no carro sempre a abanar de um lado para o outro... mas dão algum sentido ao que inicialmente parecia um Farwest oriental.

Agora que tudo indica que o país tem condições para crescer, todas essas coisas vão ter que ser traçadas de raiz e dimensionadas para uma cidade desenvolvida. Dili vai crescer muito rapidamente e vai ser preciso começar quanto antes com todas essas obras! Coisas básicas como esgotos, estradas e passeios, fornecimento de energia e segurança tem que ser garantidas para uma cidade funcionar.

Agora imaginem. Um país passa 30 anos numa guerra de guerrilha contra um vizinho milhares de vezes mais forte, e ainda por cima apoiado por aquelas super potências mundiais do mais asqueroso, como os U.S. of fu.... América e Rússia. Ou seja passa 30 anos, uma geração inteira, a cuidar somente da sua sobrevivência. A aguentar o barco...
E quando chega finalmente a hora de se libertar e conduzir um país para um estado democrático com uma economia estável e crescente, vê-se em mãos com um problema grave! Não há massa cinzenta suficiente! A maior parte das pessoas está talhada para a guerra ou para fugir dela e os poucos carolas que se refugiaram e voltaram depois da guerra e que representam a nata da política Timorense, só chegam para ocupar os cargos de maior importância.
O resultado é uma grande inércia da máquina política. Existe capacidade de decisão aos níveis mais altos, mas não aos mais baixos e muito menos capacidade de execução. Não existem os meios e o dinheiro para os adquirir anda muito controladinho... e passa por processos no mínimo singulares! Por exemplo. A corrupção mina sempre estes estados jovens... e porque eles não são parvos, encontraram uma solução de controlo bastante eficiente. A ministra da finanças assina TODOS os cheques da despesa pública!! Sim, não está mal pensado de todo... mas a pobre mulher não deve fazer outra coisa! E não dá vazão a tudo!
Ainda vai levar algum tempo até as coisas começarem mesmo a funcionar.

Á uns dias fui logo de manhã a uma reunião num órgão do estado. Pois bem... foi um espectáculo. Enquanto levava com a descomunal seca que suas excelências se dignam constantemente de nos pregar!! Observei as criaturas que se “moviam” dentro da sala. Entre vários personagens em amena converseta matinal da qual se depreendia que o tema principal éramos nós “os malai”, havia uns que se dedicavam com particular animo a actividades apático-vegetativas como uma das secretárias que esteve durante todo o tempo que nós esperámos refastelada na cadeira a olhar para a outra com a boca semi-aberta e uma carta na mão encostada ao rosto! Ora, eu e o Isaque já especulávamos sobre as capacidades telepáticas da senhora e o seu esforço em abrir a carta... mas quando o director chegou descobrimos que era simplesmente uma carta para ele.

Ou a questão dos arranjos das estradas. Desde que cheguei já vi vários trabalhadores a arranjar os buracos das estradas. Eles cortam o asfalto para fazer buracos quadrados (como só à pouco tempo aprendemos a fazer em Portugal), enchem o buracos com gravilha e terra e compactam aquilo tudo muito bem!... mas depois... desaparecem!! PUF!! Gone baby! E claro está, as chuvas e os carros encarregam-se rapidamente de os transformar outra vez em buracos... mas quadrados. Lindo!
São os tais mistérios que ainda não desvendei! Ainda tenho esperança... já ouvi uma teoria que dizia que a pedra comprada à china para fazer o asfalto não era de boa qualidade!?!?! E por isso foi devolvida... mas parece-me um pouco rebuscado... e também a pessoa que me contou, quando o fez, já não estava em controlo de todas as suas capacidades...

A MANIF

Eu para aqui a falar de cidade, desenvolvimento e estabilidade, mas a verdade é que estes dias aqui em Dili têm sido bastante instáveis.
A situação dos soldados peticionários agravou-se e a manifestação na sexta feira tornou proporções graves e nós estava-mos a ver a coisa a dar para o troto...
É bastante difícil perceber o que se passa à nossa volta quando não entendemos um chavo da língua local e a maior parte das pessoas não fala inglês e muito menos português (isso do português é um mito que nós gostamos de manter... saudosismo neocolonialista talvêz...).
Nós sabia-mos que estavam a haver manifs no centro, e aliás estávamos avisados para evitar a área... mas como é que se acompanha a coisa em tempo real? Como é que sabemos se é mesmo seguro andar por aí? Aí é que está a questão, não sabemos! E quando a coisa estoura é melhor não estar no sitio errado!!
Tinha-mos acabado de almoçar e estava-mos a relaxar um pouco em casa a olhar para a tv... (o Isaque já roncava) e a determinada altura começo a notar uma agitação anormal na estrada. Lembram-se da questão dos buracos e dos 30 à hora nas estradas? Pois bem, nessa altura não se aplicava! a estrada em frente da nossa casa tem uma cratera com 20 metros (buraco muito bem rectificado e compactado) mesmo em frente e o pessoal estava a passar a uma velocidade estranha por alí... e a levantar muito pó! E a determinada altura passa uma carrinha de caixa cheia de putos e com o impacto ia deixando uns pelo caminho!! E muitas motas e muita gente a pé a correr! - Epá algo se passava por alí, o que era estranho pois a nossa casa fica bastante afastada do centro - e a determinada altura passam várias viaturas da policia a varrer o pessoal todo e a fazer dispersar o maranhal! ... Fomos à procura da nossa empregada... nada! Tentámos telefonar para vários sítios...nada! E a única pessoa que estava por perto até falou... tetum ou bahasa!
Já tinha-mos sido avisados... o pessoal daqui, quando lhes cheira a confusão não ficam para ver o que é! Pode ser o teu braço direito, qualquer um! Não dá para contar com eles! Também não os condeno... já devem ter visto e vivido cada situação...
Estava-mos por nossa conta. Tinha-mos que fazer algo mas não sabia-mos bem o quê! É mais seguro em casa ou no escritório?!? A casa tem grades e arame farpado (e que por isso é linda de morrer...) mas estava-mos sozinhos sem perceber nada do que estava a passar lá fora! No escritório estamos mais acompanhados, percebemos o que se passa e também é bastante seguro mas fica por cima de um supermercado e esses são os alvos preferidos das multidões ao saque! Duvidas, duvidas... decidimos dar um pulo ao escritório que fica a 2 minutos e na direcção oposta à confusão. Mas não conseguimos chegar a lado nenhum pois havia barricadas de policia por todo o lado. Ok... rendidos às evidencias... voltámos para casa e fomos ver um DVD! Relaxar e deixar a coisa passar.
Mais tarde apareceu o pessoal da Ensul e contaram-nos o que se tinha passado e que já se podia circular nas estradas.
Eles tem o escritório bem no centro e viram as coisas mais de perto.
Os ânimos tinham-se exaltado em frente ao palácio do governo e os manifestantes acabaram por ter que ser varridos dalí para fora pela policia! Houve carros queimados e muita janela partida e o pessoal estava com medo que a coisa descamba-se para um motim em massa pois aqui quando isso acontece começam saquear as lojas e a destruir a cidade toda.
Aquilo que nós vimos em frente á nossa casa foi o resto do pessoal a dispersar.

Por acaso até tinha estado no adido da segurança da embaixada de Portugal na quarta feira, e tinha ficado descansado pois eles tem um sistema que avisam com sms como é que as coisas andam.
Foi engraçado ir lá...adido da segurança e tal... aquela coisa toda à volta da segurança da comunidade portuguesa... a responsabilidade do estado, os mecanismos de alertas, os planos de recolha e evacuação do país... enfim, uma grande conversa para no fim ficar com a sensação de que estou por minha conta!!
Aqui é o cada um por si! reparem bem, o planos de recolha existem mas cada um vai na sua viatura! ou seja não é bem “recolha”, é mais “se conseguires aparece!!”. Nós cá não temos forças armadas e por isso não temos meios nenhuns de recolha, dependemos completamente das forças internacionais e como é obvio eles safam primeiro os seus e depois os outros!! O rendez-vous é na casa do embaixador português.. que para nós representava irmos ao encontro da confusão! E depois o transporte aéreo por helicóptero até ao aeroporto está dependente da disponibilidade da UNTAED! Uma vez no dentro do avião estamos dependentes da permissão da Austrália para entrar no pais, mas avisaram-nos logo que em caso de surto de gripe das aves isso é impossível e ficamos no ar a pedir autorização outros países para aterrar... Não é lindo?!? Isto se tudo correr mal... pois se correr bem, a coisa passa e nós ficamos todos felizes por não ter que pôr o plano á prova!
Ah! Mas para rematar convêm contar que tudo isto, os alarmes e as ordens, surgem por sms! E que quando se deu a bronca de sexta a primeira coisa que pifou foram as comunicações!! Tanta gente a falar entupiu as linhas e era impossível falar ao telelé. Ainda mais lindo!

Estes acontecimentos fizeram danos colaterais... tive que adiar o fim-de-semana em Bali. Era para sair hoje mas a situação continua instável e convém ficar por cá de olho nas coisas. Por isso escrevi tanto.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Hello Diogo!


Grandes confusões. Nós fomos sabendo algumas coisas pelas notícias.

Agora já está tudo mais calmo, não está?

beijinhos e vê lá se não te metes no meio da confusão!

madalena

3:53 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home