quinta-feira, maio 25, 2006

23 Maio

Hoje chove a cântaros.
Ainda não tinha visto chover assim... parece que o céu resolveu baldear a terra. As ribeiras transbordaram e as estradas transformaram-se em rios, houve “estradas” que desapareceram, no seu lugar ficaram charcas enormes que chegam a entrar por casas e tornam inacessíveis carros e motas apanhados desprevenidos pela enxurrada.
Neste dia somos prisioneiros da chuva e das circunstâncias. Desde ontem à tarde que a cena nacional aqueceu de novo e hoje recebemos indicações para “limitar-mos a circulação ao indispensável”. Já não recebia-mos mensagens da embaixada à duas semanas.
As expectativas colocaram-se sobre o dia da independência. Previam que com a aproximação dessa data fosse sucedendo uma escalada de contestação e violência. Mas essa data passou até de uma forma bastante calma e ordeira... estavam a deixar passar a maior...
De qualquer das maneiras, já habituados à situação, não nos deixamos ir abaixo e tocamos a vida para a frente. Mas nada de grandes aventuras... sobretudo a solo!

Na reunião de emergência convocada à duas semanas pela embaixada de Portugal a situação foi explicada. Nada que já não soubesse-mos. Mas deram-nos alguns inputs novos. “Tenham a mala sempre a postos mas no máximo com 15 kg!. E quando receberem a mensagem dirijam-se todos para a casa do embaixador!”, ora logo aqui a coisa falha... pelas razões que já expliquei! A mensagem não chega e a mala nunca está mesmo já feita! Quando dermos pelo alarido nas ruas já não há tempo para pensar em mais nada, é localizar o pessoal e rumar para o centro.
Claro que houve logo confusão e reclamações! As pessoas nestas situações fazem as perguntas mais idiotas! “Quem paga a viagem? e as crianças quem lhes paga o bilhete? E quem garante o isto e aquilo? E os nossos bens??” O adido da segurança e o embaixador tiveram que aguentar o barco e acalmar os ânimos.
As pessoas pensam que a embaixada tem responsabilidades sobre a sua segurança e obrigação de a garantir. Essa foi uma lição que os mais “distraídos” aprenderam. Cada um está por si. Cada um é dono do seu próprio nariz. Se não gostam da situação façam as malas e amanhã metam-se num avião! Quando existe força nacional armada no território pode ser diferente, mas neste caso não... e para além disso a embaixada faz os possíveis, mas não consegue dar garantias!
E os filhos? São da responsabilidade dos pais! E os bens? 15 kg...
As perguntas (e os consequentes comentários) eram de tal modo descabidas por parte de certas pessoas que o ambiente na sala já era de discreta galhofa e risada... Até que o dono de um restaurante local se chateou e pôs os pontos nos ís! Há quem tenha muito tempo e dinheiro investido neste país e esteja a viver estes momentos com maior aperto.
Também convenha-mos... o embaixador deu o mote para a coisa descambar... dizer em alto e bom tom que devíamos começar a tratar dos vistos para entrar na Austrália... e depois tentar emendar a mão com um “mas tenho a certeza que em situação de emergência não será necessário”, foi lindo! Aqui toda a gente sabe que não é preciso visto para entrar na Austrália.

Não aprendi nada de novo mas a reunião foi importante. Já era tempo da embaixada se dirigir directamente á população tuga residente. No fim as pessoas estavam menos apreensivas.
E mais, constatei que nesta pequena cidade ainda há muita gente portuguesa que não conheço.

Hoje já é dia 24. A situação piorou bastante e o governo de Timor já pediu ajuda internacional. Hoje aterra um avião do exército australiano... é pena as coisas terem que chegar a isto. Para o povo timorense é um revés na moral. Para Timor é péssimo!... ficar a dever favores a nações tão “interessadas em ajudar”... principalmente numa altura em que se estão a definir relações comerciais importantes, como o concurso que decorre para escolher as empresas que vão explorar o petróleo do mar de Timor... não é famoso.
Nada disto é famoso... Vamos ver no que isto dá.

13 MAIO . Á DESCOBERTA DE BALI

Foi à duas semanas e éramos três - eu, o Gonçalo e a Isabel que (toda contente) já não voltava. De lá seguiu viagem de regresso a Portugal para perto do seu “Valter” essa mítica figura de que tanto ouvimos falar nos últimos três meses...
Ficámos em Kuta no Masa Inn um sitio bastante central para se passar quatro dias na cidade. Dali saímos todos os dias para palmilhar as ruas e ruelas de Kuta city. É uma cidade bastante turística. Cheia de lojas e lojecas, tendinhas, restaurantes e bares para sair à noite, é um bom sítio para quem vem de Dili e quer desanuviar um pouco.
A cidade tem a estrutura típica de localidade costeira e desenvolve-se paralela à linha de mar, virada para a costa, separada a urbe da praia por uma marginal.
A praia de Kuta é um areal extenso a perder de vista e nela acontecem todo o tipo de actividades, desde o trivial banho de sol e de mar até estranhos encontros religiosos (parecia uma seita china), arrendamento de pranchas de surf de todas as cores e feitios, venda de comida e refrescos e de todo o tipo merdeliçes inúteis, e oferta de serviços de massagem Bali Style. Enfim um reboliço dos diabos! Escusado será dizer que ali não fiz praia - Mas também praia tenho eu bastante em Timor.

A estrutura urbana é incrível. Existe uma dúzia de vias principais estruturantes onde circulam carros nos dois sentidos. No espaço sobrante estão os edifícios numa infindável mancha rendilhada de ruelas tão estreitas que só passa um carro de cada vez. O admirável é que todas estas ruas tem dois sentidos e nelas transitam carrinhas, carros, motas e pessoas! Para completar o quadro as bancas das lojas de rua estão sempre montadas à porta na estrada! Neste cenário depressa percebemos porque as scooters são tão populares por estas bandas. Muitas vezes tive que entrar numa loja para deixar passar um carro.
Esta foi para mim a parte mais engraçada de visita. Descobrir a cidade aos poucos, a pé, andar perdido por aquele tecido caótico e de repente fazer uma paragem numa qualquer banca de rua para beber um sumo natural (delicioso!) e refrescar do calor a olhar para um templo de rua hindu a transbordar de oferendas.

Uma das “promessas” mais faladas de Kuta, é a noite afamada dos clubes nocturnos. Cheios de estrangeirada mas também muitos nativos são espaços onde as pessoas vão para beber uns copos e fazer loucuras. Havia para todos os gostos desde os menos “recomendáveis” até aos mais triviais... Fomos a todos! “When in Rome...”
O assédio era indescritível e demos por nós sem conseguir olhar para onde quer que fosse por mais de 1 minuto sem corrermos o sério risco de sermos “abordados” por todo o tipo de gente, feminino e masculino e ainda alguns que até nessa matéria deixaram duvidas... O único que evitou estar-mos toda a noite a dizer “Épa, não obrigadinhos!” foi o facto de estarmos com a Isabel e isso parecer criar algum constrangimento no á vontade das criaturas...
Muita musica ao vivo, muito gente, muita cerveja e algumas bailarinas dentro de jaulas no palco, assim se passavam as noites em Kuta onde o regresso a casa nunca deve ser feito antes das seis da manhã (são muitas discos).

Cansados de tanto andamento marcamos uma excursão para ir até ao Monte e Lago Batur que ficam na zona norte da ilha a 1.700 metros de altura. A microlete pára à porta do hotel ás 8 da manhã, e nós vimos o pequeno veiculo com agrado pois havia a expectativa de irmos só nós e assim podermos “moldar” o programa à nossa vontade. Logo constatámos que íamos buscar um “Sean qualquer coisa” a outro sitio... mas este acabou por se revelar um grande bacano e acabámos por fazer todos uma bela viagem até ao vulcão Batur.

“1st on programme, traditional dance!” (com sotaque indonésio!).
Até tremi a pensar na estopada que ia apanhar... Danças?!? Esta era aquela parte que eu queria bi-passar quando pensei em moldar o programa... bom, vamos lá a isso. Entrámos e nem pareceu muito mau... meia dúzia de turas como nós e uma banda a tocar musica tradicional! Estávamos nós já confortavelmente sentados na nossas cadeirinhas de plástico com os pés cortados (para o pessoal de trás ver...) quando entram ordes de turas chinas e japs para enpacotar o recinto! Ok! era previsível.
A sorte é que as máquinas digitais já não fazem muito barulho a disparar. No final a dança até foi bastante educativa – contava a história tradicional onde o bem vence o mal e sobre a qual o hinduísmo Balinense assenta.

Seguimos caminho e passámos por uma série de aldeias onde se produzem várias artes tradicionais Indonésias. Assim fiquei a saber que a ilha de Bali é toda ela um grande centro de produção artística dentro da gigante estrutura indonésia. Trabalho em madeira, pedra, osso, bambo, batik, pintura, prata e ouro são desenvolvidos na Ilha e “exportados” para o resto do país. Sempre ao chegar-mos às aldeias vimos lojas e oficinas a produzir e vender os produtos daí característicos. É que cada aldeia especializa-se numa certa arte e como resultado os produtos e o próprio artesão e a sua arte são identificados com determinadas zonas da ilha.
Passámos por lindíssimos campos de arroz sulcados na encosta da montanha e visitámos uma quinta de produção de café, cacau, e fruta onde provámos vários produtos regionais e fiquei a conhecer frutas que nunca tinha provado como a snake skin fruit e outra que era deliciosa, uma prima do maracujá.

Mais à frente parámos num templo Hindu com mais de mil anos.
Para o visitar tivemos que vestir uma “saia” vermelha e azul para tapar as pernas em sinal de respeito. Os templos de aldeia (ou vila ou cidade) são os recintos religiosos mais importantes e normalmente são murados e tem uma porta de entrada em pedra ricamente trabalhada. Ao subir uma pequena escada passamos a porta e chegamos à plataforma de pedra onde todo o templo se desenvolve. Estamos no espaço mais público do templo, dois edifícios em madeira e telhado de colmo ladeiam a entrada e dão forma ao pátio. Mais à frente uma outra porta abre para o pátio semi privado, com uma escala mais intimista, está cheio de edifícios e altares incrivelmente decorados e trabalhados em pedra e madeira. No fim, ao fundo a passagem para o espaço mais intimo. Cada edifício tem a sua símbologia e função específica e implantam-se dentro do recinto sobre uma lógica de zonas mais ou menos privadas, representando a graduação espiritual dos percursos do templo.

A nossa guia Dee era uma pequenita indonésia muito bem disposta que nos foi pondo a par das trivialidades do quotidiano balinense hindu e respondendo ás nossas mais que ignorantes perguntas.
Bali é 90% Hindu e o resto são islâmicos, católicos e alguns budistas... O Hinduísmo Balinense rege-se por ciclos semestrais e é extremamente dedicado a uma série inumerável de figuras religiosas com nomes impronunciáveis mas que na altura da explicação fizeram bastante sentido.

Os Hindus à semelhança dos cristãos acreditam num só deus e que este se revela sobre várias formas, no caso dos Hindus são aqueles icons que tanto tornaram Bali popular dentro da cultura ocidental. Falo dos elefantes alados com rabo de peixe, das mulheres com seis braços, dos macacos guerreiros, dos homens com cabeça de tigre, das serpentes e dragões, os porcos alados (há muita coisa alada...)... enfim daquela panóplia de divindades que já todos conhecemos.
Embora acreditem no poder do bem sobre o mal, respeitam estas duas forças em equilíbrio e rezam tanto aos deuses bons como aos maus - aos bons para se chegarem e aos maus para se chegarem para lá... acreditam que cada pessoa nasce com mais quatro “almas irmãs” que a acompanham toda a vida que regulam os estados de espirito das pessoas, e que a formação do caracter do indivíduo é o resultado de como o EU lida com as 4 irmãs. (Dá para entender?) Essas almas estão identificadas, são (mais ou menos) a bondade, a maldade, a responsabilidade e a inconsequência. Se hoje te sentes particularmente maldoso... fala com a mana maldade, tenta convencê-la a não sair... e a mana bondade também pode entrar na conversa! - Pelos vistos este é um país onde todos tem amiguinhos imaginários...

O ciclo interminável das rezas. De manhã ao iniciar o dia na cozinha faz-se uma oferta aos deuses para agradecer a comida. Chaga-se ao trabalho faz-se uma oferta para abrir a loja e pedir sorte para o dia. Ao almoço outra oferta de comida. Ao fim do dia fecha-se a loja e agradece-se o dia com a oferta da tarde... se a loja abre à noite, mais ofertas! E nós perguntávamos “todos os dias?”, “isso é nos dias normais porque nos dias de festa há mais!!”.
A oferenda básica consiste nuns pequenos cestinhos quadrangulares de palha onde se mete o ingrediente base da oferenda – flores, mais outros objecto representativos do momento e pedido especifico da oferenda. O mais comum é encontrar comida como arroz e bolachas mas também vi cigarros e bijutarias de plástico...
Á uma semana tinha acontecido uma festa religiosa semestral chamada “o dia amarelo” e por isso todos os altares e templos estavam enfeitados com flores e panos amarelos e as estradas tinham nas bermas grandes varas de bambo e palmeira com oferendas penduradas. Tivemos sorte!

No regresso ainda ouve uma paragem na monkey forest (em português, grande macacada) onde depois de ler todos o sinais afixados e de ouvir todas as recomendações relativas á alimentação dos espécimes resolvi que era mais seguro não comprar as ditas bananas e simplesmente passear... e nem foi mal pensado! Parece que os animais quando vêem uma banana passam-se e só param quando a têm na boca! Vi muito boa gente (todas mulheres...: ) a gritar de susto com os avanços do macaquedo e a ter que largar a fruta antes de apanhar com um mono em cima! Muito bom! : ) Foi bastante educativo... O espaço em si, a “floresta” era engraçada. Um verde cerrado que não deixa ver para além das primeiras árvores, atravessado por passeios de pedra que acompanham suavemente o terreno e permitem dar um pequeno passeio. Vimos muita macacada, esquilos e até um grande morcego. Ouvimos a passarada e os sons do mato... com alguns gritinhos pelo meio.

Essa noite foi calma, jantámos uns noodles e ficámos à conversa até o cansaço bater forte..

Bali foi bom.
Não é o que nos vendem no ocidente, e por isso esperava algo diferente... mas mesmo assim foi bom. Bali povoa o nosso imaginário vacationesco à demasiado tempo para ser encarado de ânimo leve e por isso havia alguma expectativa.

terça-feira, maio 09, 2006

Isto está a apertar!

Pois é pessoal, grande confusão.
É preciso pontaria... resmas de momentos em que estes gajos podiam arrebentar com o esquema e escolheram logo quando eu cá estou!

Bom, devem andar a seguir as coisas aí em portugal... mas já percebi que as noticias que chegam são um pouco alarmistas. Tenho seguido a Lusa e dá para ver o estilo...
A verdade é que nas ultimas duas semanas não se passou nada! Para além da manif de sexta 28, do tiroteio seguinte e de uns incidentes localizados fora de Dili isto tem estado calmo.
Tenho feito a minha vida normal... com algumas restrições à noite, e com a mala semi-feita para evacuar a qq hora. Mas o dia a dia faz-se entre o trabalho e casa e por isso não notamos nada de especial... a cidade está bastante mais vazia... mas eu até gosto mais assim.

É uma seca viver nesta expectativa! E os rumores?! Bem, nunca imaginei o poder dos rumores! desde essa sexta que os rumores dominam a cena quotidiana e fazem dos dias uma incerteza constante. Ando sempre com o portátil ás costas... que é a única coisa de real valor que tenho.. para além da vida claro!
Isto é tudo uma politiquise da treta! É uma parte da Fretilim a querer derrubar o governo... só que no terceiro mundo, estas coisas facilmente descambam para um golpe de estado ao estilo de "guerra civil para mais trinta anos".

Para além disso há todas as teorias de conspiração acerca do envolvimento de potencias tipo USA e Australia a dár força aos contestatários... A ideia no ar é que quem dominar o partido Fretilim domina o orçamento de estado e os lucros do petróleo e se fôrmos a ver bem, existe muita gente a querer pôr a mão nesse negocio.
Para além disse o embaixador dos EUA fez declarações alarmistas e duvidosas quando tudo ainda estava bastante calmo e a funcionar normalmente.
Os Américas já evacuaram o pessoal da peace corps todo e também por isso foram acusados de ser alarmistas e darem demasiada importância a uma situação que requer a atitude contrária. Quanto menos importância se der a este assunto, menos força tem os contestatários. Por isso os Américas vão-se lixar e acho que nunca mais voltam a Timor.

Po um lado há a indonésia que já se está a por a jeito para "ajudar" a conter a cena, por outro os austrálias já avisaram que entram à bruta se a coisa ficar preta.... estão a vêr o cenário não?

Parece que hoje as coisas aquecem... temos um contacto priveligiado com alguêm que anda envolvido nas negociações entre os dois lados e contou-nos que hoje ao meio-dia acaba o prazo para o PM se demitir. É uma exigência dos 10 distritos mais ocidentais de Timor Leste que apoiam os militares peticionários - que a meu ver não passa de uma desculpa para derrubar o governo. Mas é assim... com 80% de analfabetos e a uma história de guerilha e fuga não seria de esperar outra coisa... qualquer fanfarrão chega e manipula o cenário a seu favor.

Democracia?!? isso fica para depois!... sabes qual é a opinião generalizada sobre o Alkatiri ? é que é arrogante e antipático... e o pessoal aqui não gosta de dirigentes assim. Por isso faz-se uma guerra para remediar a coisa.
Á conversa digo-lhes "épa dirigentes arrogantes temos nós ao pontapé e não lhes pregamos um balázio!!" - sabes o que eu sinto? é que este pessoal tem sede de guerra. Já não é o primeiro que me faz sentir isso. Acham que resolvem tudo à porrada! Aparentemente são muito pacificos... mas têm o pavio curto.

Parece que ontem morreu um policia em Ermera e isso veio agravar o cenário por isso hoje fomos convocados para uma reunião de emergência sobre segurança na embaixada de portugal.É a primeira vez que nos convocam por isso é capaz de ser grave, se calhar temos de avacuar... e quem sabe voltar a portugal. Tenho pena se isso acontecer.
De qualquer maneira andamos preparados para todos os cenários e esse é dos melhores... Pior é ficar cá com isto tudo a arrebentar e depender dos nosso "planos de emergência" para salvar a pele.